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Deixar que a luz invada o dia

  • Foto do escritor: María Luz Peña
    María Luz Peña
  • há 15 horas
  • 4 min de leitura

Um dia no final de setembro de 2024.


Hoje parece que o sol está brilhando. Isso, ironicamente, considerando que passei os últimos três meses em um país rotulado por todos como “tropical”, foi meu primeiro ano sem verão. Parti no final de junho e, em breve, ao final do inverno brasileiro, partirei novamente. Enquanto seco o cabelo, uma música do novo álbum da Liniker chama minha atenção. “Tomara que hoje faça um dia de sol e se houver neblina que eu seja um sol interno.” Penso nas crianças da minha escola, para onde estou prestes a ir, às quais darei bom dia enquanto entram felizes cumprimentando a Nana, a porteira. Que eu possa ser sol para elas, repito a mim mesma.


Estou em Florianópolis, em um estado do Sul do Brasil. Uma amiga brasileira, antes de eu partir, me contou com entusiasmo que esse era um dos estados brasileiros mais desenvolvidos economicamente, onde a economia gira, há trabalho e muitos turistas. De forma um tanto desiludida, perguntei a mim mesma o que estava indo fazer ali então. Bastaram vinte e quatro horas na cidade para eu me lembrar de que desenvolvimento e progresso não significam equidade e bem-estar para todos, e perceber que, por complexas camadas sociais, econômicas e raciais, muitas pessoas ainda são deixadas para trás, mesmo em cidades como Floripa.



Moro no Mont Serrat, um morro que corresponde ao imaginário europeu da pobreza brasileira. Aqui, a escola social Marista Lucia Mayvonne, onde estou atuando como voluntária educadora, oferece uma educação integral para crianças e adolescentes de 6 a 18 anos que vivem em situação de vulnerabilidade. Mas essa não é uma simples escola: é um espaço da comunidade, onde ao longo do tempo foram construídos caminhos, entrelaçadas redes, desenvolvidos projetos e iniciadas transformações. Nunca senti pena aqui, apenas uma profunda admiração por todas as pessoas que trabalham todos os dias para promover mudanças positivas, acreditando de verdade no que fazem.



A cada dia conheço uma nova parte, um novo professor, uma nova criança, uma situação familiar que no dia anterior era desconhecida e, pouco a pouco, a cidade e a comunidade vão tomando forma. E assim, semana após semana, estou aprendendo a conhecer esta terra e essa realidade com suas contradições, complexidades e belezas. Descobri a importância das pipas e o quanto o Brasil é grande, vi alguns dos mais belos pores do sol da minha vida brincando na praça com as crianças e pintei com elas histórias do folclore.


Mas como toda viagem, nem tudo foi imediato, especialmente nas semanas após o Genfest, que não foram fáceis. A chuva dificultava sair do morro onde eu morava, eu convivia com a frustração de falar uma língua que ainda não dominava (e para mim, que adoro conversar, me sentir limitada na fala é uma condenação). Pequenas decepções e dificuldades com a mudança no estilo de vida e uma caxumba que peguei se somaram ao desafio de viver meses longe dos meus amigos, das pessoas que amo e da minha família. E, além disso, o esforço de retornar a uma rotina depois de três semanas intensas de Genfest, onde tudo era festa, amizade e emoção.


Um dia, conversando com quem me acolheu, lemos esse trecho de Chiara Lubich:


“Deixar que a luz invada o dia”


[…] Quando as sombras da existência tornam nosso caminho incerto, quando estivermos até mesmo paralisados pela escuridão, essa Palavra do Evangelho nos lembrará que a luz se acende com o amor, e que basta um gesto concreto de amor, mesmo pequeno (uma oração, um sorriso, uma palavra), para nos dar aquela faísca que nos permite seguir em frente. Quando andamos de bicicleta à noite, se paramos, mergulhamos na escuridão, mas se voltamos a pedalar, o dínamo gera a corrente necessária para enxergar a estrada. […]


Essas palavras despertaram algo em mim. Algo que dizia: “continue pedalando, continue amando e a luz virá!”. Esse convite me acompanhou nas semanas seguintes e encheu meus dias de momentos preciosos, oportunidades para amar essa comunidade, gerando luz. Lembro que, nessas semanas um pouco mais “nubladas”, era difícil permanecer na escola à tarde, enquanto agora não percebo o tempo passar e, na verdade, preciso me forçar a ir embora, senão ficaria lá até a noite.


Ajudou-me também nessa ‘pedalada’ ver o amor que já me cercava: entre os professores e funcionários da escola, que com tanta dedicação acompanham os alunos pensando nas necessidades de cada um; entre os membros do grupo pastoral com quem trabalho e o cuidado que cada um coloca no que faz; na própria comunidade do Mont Serrat e em todos os projetos sociais criados e desenvolvidos por quem vive aqui; e entre os focolarinos e a comunidade do movimento dos Focolares da cidade que me acolheu. Esse amor estava presente em muitas pessoas.



Dentro de poucos dias, voltarei para casa. Sou grata a este lugar, a estas pessoas. Como eu gostaria de ver crescer essas crianças e adolescentes que conheci nestes meses aqui, estar com eles enquanto desenvolvem aquela gentileza e atenção que muitas vezes vejo por trás dos olhinhos curiosos. Talvez eu não esteja mais aqui, mas vocês, futuros voluntários e voluntárias, poderão estar, continuando a ajudar essa maravilhosa comunidade a gerar a luz de que este lugar tanto precisa. Que vocês também possam ser sol para os outros.


Sara Cason



 
 
 

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